terça-feira, 19 de novembro de 2013

Conflito entre guerrilheiros colombianos e soldados brasileiros

 
 
Em 1990 guerrilheiros colombianos das FARCs atacaram um posto do Exército brasileiro às margens do rio Traíra, que divide a fronteira entre os dois países. Quatro soldados brasileiros morreram e vários ficaram feridos. Por azar um grupo de quatro garimpeiros colombianos foi preso por soldados brasileiros e barbaramente torturados no acampamento. Seriam fuzilados e apresentados como guerrilheiros caso eu não os tivesse fotografado ao amanhecer. Outros sete colombianos foram mortos pelos brasileiros na selva no dia anterior a minha chegada como represália ao ataque guerrilheiro. Na foto ao entardecer tiros são disparados dos dois lados do rio Traíra. De um lado o Brasil, do outro a Colômbia. Eu estava lá.

 

 


Expedição de contato com os índios isolados do vale do rio Javari


 
 


Em 1996 o sertanista Sydney Possuelo montou e chefiou uma expedição para fazer contato com os índios isolados korubo na área entre os rios Ituí e Itaquaí no Amazonas. Dez anos antes esses índios haviam exterminado todos os membros de uma outra expedição para contatá-los. Com a ajuda de índios matis, mayoruna, kulina, marubo e kanamary a frente de contato fez diversas incursões na floresta para estabelecer um primeiro contato pacífico. Montamos um acampamento próximo à aldeia e o contato acabou acontecendo acidentalmente num clima tenso e perigoso. Dias depois um dos membros da frente, Sobral, foi morto a golpes de borduna pelos korubo.



 


Conflito ambiental na Amazônia



Entre tantas vezes que fui à Amazônia, uma das mais tensas foi quando estava no Pará com o navio Artic Sunrise, do Greenpeace, acompanhando uma série de ações para denunciar o desastre sócio-ambiental causado pelo avanço do cultivo da soja na Amazônia. O problema é que do outro lado, esses truculentos grileiros da floresta não são tão pacíficos, e bem intencionados, como nós do Greenpeace e a população local que sofre em suas mãos.
Para vocês terem uma idéia da dimensão desse drama, que atinge a todos nós, inclusive aqui no Sul Maravilha, nunca se queimou tanta floresta como agora. Áreas públicas, reservas e parques florestais (o Parque Indígena do Xingu atualmente é uma ilha de floresta, cercada por campos de soja), pequenas vilas de caboclos, cabeceiras de rios, estão desaparecendo para serem transformados em grandes latifúndios onde impera a monocultura. Além de acabarem, criminosamente, com o bioma amazônico, provocam a migração das populações regionais, que são obrigadas a abandonar as terras, onde vivem há muitos anos, indo formar as primeiras favelas nas periferias de Santarém, Itaituba, Altamira, no Pará, e tantas outras pelo Mato Grosso, Rondônia, Acre e Goiás. Aqueles caboclos que não aceitam vender suas terras, tem suas casas, comunidades, famílias e animais fumegados por agrotóxicos (usados em larga escala nessas plantações) por aviões desses fazendeiros alienígenas. Estamos vivendo uma guerra química aqui no Brasil, enquanto o governo paga os juros da dívida externa e a roubalheira dos gabinetes com os dólares da venda da soja. E vocês sabem para que é usada toda essa soja? 85% de toda a produção é comercializada por grandes multinacionais e enviada para a Europa e EUA para servir de ração para porcos e aves. Desmatamento da maior floresta do mundo, trabalho escravo, uso indiscriminado de agrotóxicos e sementes transgênicas (já ouviram falar da semente terminator? Procurem saber, é barra pesada), substituição da agricultura familiar por latifúndios mecanizados e com pouquíssima mão de obra empregada, ao contrário de uma reforma agrária séria e necessária, e corrupção pra todo lado, é o que estamos plantando nesse país.
Depois de uma temporada nos EUA, desembarquei em Santarém, Pará, para me juntar ao pessoal do Greenpeace (trabalho com o GPI há um ano) e participar de uma série de ações. Mal cheguei no aeroporto, passei imediatamente para um monomotor, que me esperava, para acompanhar o salto de paraquedas do Sabiá, campeão mundial da categoria, sobre campos de soja. Na falta de um banco com sinto de segurança e de uma porta, que foram retirados, tive que ficar amarrado, quase que para fora do avião, enquanto fotografava e observava meu amigo Sabiá escapar dos capangas que tentavam capturá-lo lá embaixo. No dia seguinte, um grupo do Greenpeace realizou uma projeção de um filme sobre a soja num barco em frente ao calçadão de Santarém. Minha missão, fotografar o público que assistia e possíveis reações. Quando os sojeiros e seus capangas partiram para cima de mim, dois corajosos jornalistas locais tentaram fotografar o que seria um linchamento e foram agredidos covardemente. Inclusive o filho de um deles, que tentou socorrer o pai. Diante disso, tínhamos que circular na região em carros blindados a prova de bala e mesmo assim, perseguidos por pessoas armadas e nos ameaçando. Até um ingênuo baile de debutantes realizado no meu hotel acabou em pancadaria entre simpatizantes do Greenpeace e sojeiros infiltrados. Quinta, dia 21 às 7 horas da manhã o Artic Sunrise partiu a toda máquina em direção ao porto da Cargill (empresa americana que comercializa e financia a soja na região), enquanto 4 botes infláveis levavam equipes de ativistas/escaladores para subir nas torres do terminal de cargas para colocar vários banneres, denunciando a ilegalidade da Cargill. Eu, louco que sou, estava no inflável de comando da ação. Tudo muito rápido, como numa guerra, deixamos os diversos grupos nos pontilhões de aço, mas quando nos demos conta, um grande rebocador (aliás, empurrador de balsas) imprensou nosso bote contra a estrutura da Cargill. Frank, o coordenador da ação, caiu no rio, ferindo muito o rosto e o braço. Eu acabei preso com o peito entre o casco do rebocador e a ponte de aço enquanto parte do corpo foi para dentro d´água. Minha sorte foi estar com um salva-vidas, que amenizou a pressão do barco contra a ponte de aço. Mas cheguei a escutar as costelas trincarem. Acabamos saindo de lá, abraçados eu e Frank, presos ao bote, que Meredith pilotava enquanto escapava do rebocador assassino. Os ativistas/escaladores que conseguiram subir as torres, foram espancados no ar por seguranças, além de receberem jatos de água para jogá-los lá de cima. Barcos regionais, alugados pelos sojeiros, partiram contra o Sunrise, cheios de capangas atirando rojões e brandindo pedaços de pau. Nosso bote, finalmente foi invadido por policiais e seguranças da Cargill com revolveres e metralhadoras. Os tripulantes algemados, enquanto o Sunrise era invadido pelos capangas sojeiros. Me identifiquei como jornalista e por isso não fui algemado. Mas um segurança da Cargill pulou da sua lancha e desferiu um soco em minha cabeça e tentou jogar minha câmera no rio. Brigamos por algum tempo e consegui impedir que tirasse a câmera de mim. Tudo às vistas da polícia.
A guerra não parou por aí, mas vou ficar por aqui, se não isso vira um livro. Um dia conto o resto. O legal é que no Domingo, os movimentos populares da região fizeram uma grande passeata em apoio ao Greenpeace, apesar de todas as ameaças contra eles. Na verdade, estávamos lá em apoio a esses movimentos e esses acontecimentos acabaram deflagrando sua reação.
Portanto, ao pensar em comer um aparentemente inocente hambúrguer no MacDonald´s ou um franguinho no KFC, pense bem. Não será apenas uma decisão de bom gosto alimentar, mas uma posição coerente com um mundo bem melhor do que essa porra que nos empurram goela abaixo.

 

O fotógrafo e o fotógrafo



O fotógrafo Sebastião Salgado e sua mulher, Lelia Wanick Salgado, diante do berçário de milhares de mudas em sua fazendo na cidade mineira de Aimorés. O casal recebeu de herança da família de Sebastião uma fazenda, onde ele passou a infância e adolescência, e criaram o Instituto Terra que há pouco mais de uma década, diante de um cenário de degradação ambiental em que se encontrava a antiga fazenda de gado tomou uma decisão: devolver à natureza o que décadas de degradação ambiental destruiu. Mobilizaram parceiros, captaram recursos e fundaram, em abril de 1998, a organização ambiental dedicada ao desenvolvimento sustentável do Vale do Rio Doce.
Em pouco mais de uma década, o sonho do casal já rendeu muitos frutos. Por conta da atuação do Instituto Terra, mais de 7.000 hectares de áreas degradadas estão em processo de recuperação na região e mais de 4 milhões de mudas de espécies de Mata Atlântica já foram produzidas em seu viveiro para abastecer tanto os plantios na RPPN Fazenda Bulcão quanto os projetos de restauração que desenvolve na região.
A antiga fazenda de gado, antes completamente degradada, hoje abriga uma floresta rica em diversidade de espécies da flora de Mata Atlântica. A experiência comprova que junto a recuperação do verde, nascentes voltam a jorrar e espécies da fauna brasileira, em risco de extinção, voltam a ter um refúgio seguro.


Zico, o fotógrafo e o juiz



Uma situação impossível de se imaginar nos campos de futebol de hoje.
Fui fotógrafo da revista Placar nos anos 80 e nessa época jornalistas tinham acesso direto e pessoal a todos os jogadores, dos grandes ídolos aos pernas-de-pau, para marcar entrevistas, fotos, projetos de reportagens e eventualmente farras ou peladas entre amigos sem a presença, intermediação e enchimento de saco de assessores e marqueteiros de plantão. Era comum após um treino ter a companhia em nossos próprios carros para uma reportagem de Sócrates, Junior, Reinaldo, Falcão, Bebeto ou qualquer outro que fosse notícia.
Certa vez eu estava fazendo uma matéria especial sobre o Zico e pedi ao juiz para me esperar fazer uma foto no momento em que o time do Flamengo se preparava par dar o ponta-pé inicial de um Fla x Flu com o Maracanã lotado. Pois, não apenas esperou, como ainda me perguntou quando ele seria o personagem da matéria. Essa foto é uma sobra. Infelizmente a melhor ficou no arquivo da editora Abril. Hoje nenhum juiz esperaria por um inconveniente fotógrafo como eu no meio do campo para começar o jogo.

Bons e loucos tempos.


Nelson Rodrigues à sombra das chuteiras imortais



Nelson Rodrigues ia diariamente à redação do jornal O Globo, onde eu trabalhava nos anos 70, para escrever, ou melhor, cutucar as teclas com apenas dois dedos, sua célebre coluna sobre futebol em uma velha máquina Remington. Um dia fui fotografá-lo em seu apartamento no Leme para o jornal e como ele estava doente e não havia ido à redação na rua Irineu Marinho me pediram para pegar a matéria que escrevera para a edição do dia seguinte. Fiz as fotos enquanto Nelson conversava comigo e conferia o que havia escrito. Voltei para o jornal com as imagens ainda não reveladas na câmera e o texto de um dos maiores dramaturgos do Brasil na minha bolsa. Aquelas laudas meio amarrotadas, marcadas pelas letrinhas sujas da velha máquina de escrever, eram o original de uma das colunas "À Sombra das Chuteiras Imortais" publicadas pelo Anjo Pornográfico no jornal. Suas crônicas sobre futebol eram geniais e hoje fico imaginando qual delas estava gravada naquelas laudas que levei para o editor naquele dia. Imagino também que se as tivesse perdido ou esquecido, suas futuras antologias teriam um vácuo em suas páginas e o imaginário da cultura futebolística brasileira seria bem menos interessante.

Denise Stoklos e Marcel Marceau

Denise Stoklos e o mímico francês Marcel Marceau (1923-2007) na ocasião de um debate no Rio, em 1982


Em 1982 trabalhando para o jornal O Globo fui fotografar uma entrevista/conversa que seria feita pela atriz Denise Stoklos com o ator mímico francês Marcel Marceau. Ao me encontrar no saguão do hotel onde Marceau estava hospedado Denise me comentou que estava apreensiva e me pediu que fosse discreto ao fotografá-los. Eles haviam se distanciado alguns anos antes por conta de uma polêmica declaração de Denise sobre o trabalho do consagrado Marceau. Nessa época, Denise, uma jovem atriz de vanguarda, havia questionado alguns métodos do colega francês e deixaram de se falar por um tempo. Marceau nos recebeu em seu apartamento amável, mas contido, e logo se sentaram frente a frente com uma formalidade amigável . Ao longo da conversa foram se aproximando e em pouco tempo pareciam dois namorados reatando uma antiga relação. Com as mãos falavam com a mesma intensidade que suas palavras. Ali eu era um observador privilegiado de dois mestres da arte dramática numa peça íntima. Ficaram as fotos, a lembrança desse momento mágico e um texto escrito por Denise publicado no Globo e outro na Folha de São Paulo, muitos anos depois, que reproduzo aqui.


Texto da atriz Denise Stoklos
MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
A performance-diamante
Rio, 1982

EM 1982, UM JORNAL do Rio promoveu um debate entre Marcel Marceau e mim. Ele era considerado o "melhor mímico do mundo"; já eu era recém-saída da escola de mímica em Londres. Marcel não precisava mais do que sorrir e encantar com um ou outro pequeno gesto de pantomima, mesmo sem a maquiagem e o figurino próprios do "Bip", seu personagem. Eu via tudo, magnetizada pelo controle de seu corpo, maestria das articulações, espasmos que delineiam o início e o fim de um movimento!
Quando falei, foi para contestar o método dele: a técnica da mímica descreve uma ação, não há interesse em criticá-la, e o que interessava a nós, que estávamos chegando, era o que o artista sentia ao narrar um acontecimento, a sua "postura política" sobre aquilo.
Não aconteceu nenhuma briga, até mesmo porque era evidente a diferença entre nós: ele fazia; nós, jovens, questionávamos. O tradutor maneirou a conversa para um tom pacífico, e tivemos uma troca de ideias agradável entre dois "performers" muito diferentes.
Para mim, o condutor da cena -o "mímico"- pretendia expressar algo que lhe tocava pessoal e coletivamente. Sua intenção começava desde o momento em que se percebia capaz de "reapresentar" uma cena recortada do "real", que lhe "atravessasse" a emoção e que ele apresentasse num "palco", como algo lúdico, de "jogo", conseguindo a permissão implícita do público para entrar em sua emoção.
Nessa passagem, com o público pensando "ah, é apenas teatro", abrem-se as comportas do humor, da reflexão, da memória, de tudo que expresse a natureza humana.
O mímico escolheu o que lhe toca profundamente para levar à cena, e por isso sabemos que a escolha significa um empreendimento novo a cada nova apresentação. É um estudo para atingir uma performance de diamante, isto é, com repercussão em cada aresta, com brilho em cada face, e o ritmo entre uso da face e da aresta será uma das constituições da performance.
E lá entrava eu: os estabelecimentos teatrais, que têm palco e plateia, sistemas de som e de luz, são eventualmente usados para formaturas, eventos de empresas no final do ano, premiações etc. São também alugados para peças "teatrais" que não contêm o que define o teatro: um compromisso com a evolução da humanidade; pelo contrário, disciplinam o público com preconceitos nas anedotas, julgamentos comportamentais nas tramas, reforço de algo já instalado na demonstração de uma "normalidade" da sociedade, tudo para propagar e garantir o poder ao Estado continuadamente, como um elemento de manutenção do status quo social.
À classe teatral fica a tarefa de não compactuar com a alimentação do que já está comprometido, do que já é alienante. O dramaturgo livre quer que o teatro se desvie desse processo falido, da pretensa autovalorização que acaba por propor mais e mais caminhos que negam uma vida livre.
O dramaturgo que se questiona procura um teatro que escolhe temas, textos, formatos e interpretações, funções teatrais que não estejam comprometidas com dados que permitem a corrupção, a covardia, a traição do ser humano.
O dramaturgo que preza o teatro em sua reunião sagrada, proposta pela teatro grego, em que um grupo se reúne para refletir sobre suas questões existenciais, busca antes de tudo propor uma possibilidade de nos organizarmos dentro de maior amor e maior liberdade.
O dramaturgo exerce seu trabalho sabendo que o teatro é um dos poucos lugares que ainda pode estar livre de anúncios comerciais ou de merchandising, ou de espionagem para manter as classes servis. O papel do dramaturgo, é, na base, acionar um motor turbinado de possibilidades novas, acrescentando pistões de atrito que gerem luminosos atalhos e mudanças de rumos e que pelo menos convide a todos a mudanças.
Acho que o Marcel Marceau não entendeu nada disso, por conta da diplomacia do tradutor... Mas hoje todo mundo que leu aqui entendeu. (Já me serve!)