terça-feira, 19 de novembro de 2013

Conflito ambiental na Amazônia



Entre tantas vezes que fui à Amazônia, uma das mais tensas foi quando estava no Pará com o navio Artic Sunrise, do Greenpeace, acompanhando uma série de ações para denunciar o desastre sócio-ambiental causado pelo avanço do cultivo da soja na Amazônia. O problema é que do outro lado, esses truculentos grileiros da floresta não são tão pacíficos, e bem intencionados, como nós do Greenpeace e a população local que sofre em suas mãos.
Para vocês terem uma idéia da dimensão desse drama, que atinge a todos nós, inclusive aqui no Sul Maravilha, nunca se queimou tanta floresta como agora. Áreas públicas, reservas e parques florestais (o Parque Indígena do Xingu atualmente é uma ilha de floresta, cercada por campos de soja), pequenas vilas de caboclos, cabeceiras de rios, estão desaparecendo para serem transformados em grandes latifúndios onde impera a monocultura. Além de acabarem, criminosamente, com o bioma amazônico, provocam a migração das populações regionais, que são obrigadas a abandonar as terras, onde vivem há muitos anos, indo formar as primeiras favelas nas periferias de Santarém, Itaituba, Altamira, no Pará, e tantas outras pelo Mato Grosso, Rondônia, Acre e Goiás. Aqueles caboclos que não aceitam vender suas terras, tem suas casas, comunidades, famílias e animais fumegados por agrotóxicos (usados em larga escala nessas plantações) por aviões desses fazendeiros alienígenas. Estamos vivendo uma guerra química aqui no Brasil, enquanto o governo paga os juros da dívida externa e a roubalheira dos gabinetes com os dólares da venda da soja. E vocês sabem para que é usada toda essa soja? 85% de toda a produção é comercializada por grandes multinacionais e enviada para a Europa e EUA para servir de ração para porcos e aves. Desmatamento da maior floresta do mundo, trabalho escravo, uso indiscriminado de agrotóxicos e sementes transgênicas (já ouviram falar da semente terminator? Procurem saber, é barra pesada), substituição da agricultura familiar por latifúndios mecanizados e com pouquíssima mão de obra empregada, ao contrário de uma reforma agrária séria e necessária, e corrupção pra todo lado, é o que estamos plantando nesse país.
Depois de uma temporada nos EUA, desembarquei em Santarém, Pará, para me juntar ao pessoal do Greenpeace (trabalho com o GPI há um ano) e participar de uma série de ações. Mal cheguei no aeroporto, passei imediatamente para um monomotor, que me esperava, para acompanhar o salto de paraquedas do Sabiá, campeão mundial da categoria, sobre campos de soja. Na falta de um banco com sinto de segurança e de uma porta, que foram retirados, tive que ficar amarrado, quase que para fora do avião, enquanto fotografava e observava meu amigo Sabiá escapar dos capangas que tentavam capturá-lo lá embaixo. No dia seguinte, um grupo do Greenpeace realizou uma projeção de um filme sobre a soja num barco em frente ao calçadão de Santarém. Minha missão, fotografar o público que assistia e possíveis reações. Quando os sojeiros e seus capangas partiram para cima de mim, dois corajosos jornalistas locais tentaram fotografar o que seria um linchamento e foram agredidos covardemente. Inclusive o filho de um deles, que tentou socorrer o pai. Diante disso, tínhamos que circular na região em carros blindados a prova de bala e mesmo assim, perseguidos por pessoas armadas e nos ameaçando. Até um ingênuo baile de debutantes realizado no meu hotel acabou em pancadaria entre simpatizantes do Greenpeace e sojeiros infiltrados. Quinta, dia 21 às 7 horas da manhã o Artic Sunrise partiu a toda máquina em direção ao porto da Cargill (empresa americana que comercializa e financia a soja na região), enquanto 4 botes infláveis levavam equipes de ativistas/escaladores para subir nas torres do terminal de cargas para colocar vários banneres, denunciando a ilegalidade da Cargill. Eu, louco que sou, estava no inflável de comando da ação. Tudo muito rápido, como numa guerra, deixamos os diversos grupos nos pontilhões de aço, mas quando nos demos conta, um grande rebocador (aliás, empurrador de balsas) imprensou nosso bote contra a estrutura da Cargill. Frank, o coordenador da ação, caiu no rio, ferindo muito o rosto e o braço. Eu acabei preso com o peito entre o casco do rebocador e a ponte de aço enquanto parte do corpo foi para dentro d´água. Minha sorte foi estar com um salva-vidas, que amenizou a pressão do barco contra a ponte de aço. Mas cheguei a escutar as costelas trincarem. Acabamos saindo de lá, abraçados eu e Frank, presos ao bote, que Meredith pilotava enquanto escapava do rebocador assassino. Os ativistas/escaladores que conseguiram subir as torres, foram espancados no ar por seguranças, além de receberem jatos de água para jogá-los lá de cima. Barcos regionais, alugados pelos sojeiros, partiram contra o Sunrise, cheios de capangas atirando rojões e brandindo pedaços de pau. Nosso bote, finalmente foi invadido por policiais e seguranças da Cargill com revolveres e metralhadoras. Os tripulantes algemados, enquanto o Sunrise era invadido pelos capangas sojeiros. Me identifiquei como jornalista e por isso não fui algemado. Mas um segurança da Cargill pulou da sua lancha e desferiu um soco em minha cabeça e tentou jogar minha câmera no rio. Brigamos por algum tempo e consegui impedir que tirasse a câmera de mim. Tudo às vistas da polícia.
A guerra não parou por aí, mas vou ficar por aqui, se não isso vira um livro. Um dia conto o resto. O legal é que no Domingo, os movimentos populares da região fizeram uma grande passeata em apoio ao Greenpeace, apesar de todas as ameaças contra eles. Na verdade, estávamos lá em apoio a esses movimentos e esses acontecimentos acabaram deflagrando sua reação.
Portanto, ao pensar em comer um aparentemente inocente hambúrguer no MacDonald´s ou um franguinho no KFC, pense bem. Não será apenas uma decisão de bom gosto alimentar, mas uma posição coerente com um mundo bem melhor do que essa porra que nos empurram goela abaixo.

 

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